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O místico invade o thriller de sequestro

É difícil encontrar obras dentro do cenário contemporâneo de blockbusters que se entregam inteiramente aos seus dispositivos cinematográficos, que realmente se joguem de cabeça no que se propõem, que sejam desinibidos em explorar o potencial sensorial do material que possuem. Quase sempre o caminho é trilhar o racionalismo ou o mecânico, muito por medo da recepção cínica de um público cada vez menos aberto a ver cada filme como um mundo único de regras próprias, incapaz de discernir algo essencialmente fantástico de algo que almeja ter um realismo dramático (não confundir com a racionalidade excessiva do cinema estadunidense atual). Por isso mesmo que cineastas como M. Night Shyamalan são menosprezados quando escolhem lançar algo como A Dama na Água, por exemplo. A crença de um cineasta no poder de sua imagem é vista como piada, infelizmente.


E, infelizmente, receio que o mesmo venha a acontecer com Scott Derrickson (A Entidade, Doutor Estranho) e seu novo filme, O Telefone Preto.








Após ter saído das filmagens do segundo Doutor Estranho, o diretor escolheu retornar a sua zona de conforto dentro do cinema de terror, adaptando um conto do escritor Joe Hill, filho de Stephen King, onde somos levado ao ano de 1978, na cidade de Denver, na qual alguns desaparecimentos de crianças sem solução assombram o local. Nesse ambiente, acompanhamos o acovardado e introvertido Finney (Mason Thames) e sua irmã, Gwen (Madeleine McGraw), que vivem em circunstâncias dolorosas por conta da morte de sua mãe e os abusos do pai alcoólatra e transtornados. As coisas mudam justamente quando Finney também é sequestrado e se vê preso a um porão decadente com apenas uma janela, um colchão, alguns tapetes, uma privada e, o mais essencial: um misterioso telefone preto que, aparentemente, não funciona mais.



E é a partir do objeto citado no título que Derrickson começa a guiar sua narrativa em dois blocos que se interligam por uma essência sobrenatural que nasce aos poucos na obra: primeiramente, acompanhamos os relatos de Gwen e seus supostos “sonhos premonitórios”, mas com o andamento do filme, percebemos que existe algo de místico se manifestando e fica a cargo da jovem e das constantes interações de Finney com as vítimas do sequestrador, interpretado - de modo excepcional - por Ethan Hawke, encontrar uma maneira de reverter o quadro e impedir que o ciclo de mortes do serial killer.






A partir do objeto citado no título que Derrickson começa a guiar sua narrativa em dois blocos que se interligam por uma essência sobrenatural que nasce aos poucos na obra: primeiramente, acompanhamos os relatos de Gwen e seus supostos “sonhos premonitórios”, mas com o andamento do filme, percebemos que existe algo de místico se manifestando e fica a cargo da jovem e das constantes interações de Finney com as vítimas do sequestrador, interpretado - de modo excepcional - por Ethan Hawke, encontrar uma maneira de reverter o quadro e impedir que o ciclo de mortes do serial killer.



É justamente o que o cineasta faz ao manipular imageticamente o sobrenatural como a linha que conecta os dois irmãos e possibilita uma grande parte das dissoluções da narrativa. O modo como Derrickson e o montador Frédéric Thoraval (que trabalhou com o diretor em Sinister) realizam as transições, de modo seco, direto e cortando abruptamente para intercalar os dois núcleos, reflete perfeitamente essa dinâmica extranatural dos espaços (do quarto de Gwen ao porão onde está Finn), uma conexão que transcende o físico e se desenrola no sobre-humano, no espiritual e nos contatos que os irmãos criam com as assombrações. É a partir dessa lógica cênica que o diretor encontra o palco para conceber algumas das imagens mais fascinantes do ano, como o reencontro dos irmãos em slow-motion ou até os sonhos, em uma composição que se assemelha a filmagens caseiras em vhs.



The Black Phone pode não ser - e nem deveria ser - algo inovador no que entrega como dramaturgia e premissa, mas é ao misturar um thriller de sequestro com um terror de assombração e explorar as possibilidades de seu plot sem qualquer inibição possível, que surge uma das mais curiosas surpresas do ano. Um filme que realmente acredita naquilo que faz e segue inexorável em sua execução até o final.

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