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Kurosawa e Incomunicabilidade no Mundo Moderno

Pulse é um filme sobre isolamento, depressão e principalmente, incomunicabilidade no mundo moderno, usando a internet apenas como meio de ambientar essas discussões (até porque era o que estava se popularizando na época). Desde o começo vemos como a angústia da incapacidade de se comunicar com o próximo é como um vírus - contagiante, preenche todo o espaço e se desenvolve em seus. A história que acompanhamos segue um padrão de pessoa se mata; algum(a) amigo(a) descobre o corpo; essa pessoa vai se isolando até se matar e continuar o ciclo. A cidade de Tóquio e os próprios enquadramentos são cada vez mais vazios, deixando um espaço enorme e opressor de isolamento. Incomunicabilidade gerando isolamento e depressão e vice-versa, até encontrar a morte como única saída. Mas é aí que vem um dos aspectos mais amedrontadores que o filme trabalha - mesmo depois da morte, estamos sozinhos. A incomunicabilidade não para.



Esse terror que Kiyoshi Kurosawa propõe está presente sim no conteúdo do filme, mas ele escolhe dar muito mais atenção ao terror produzido na forma (que acaba sendo muito mais impactante). Está sempre usando planos abertos que, em sua maioria, contam com a presença de telas ou vidros não totalmente transparentes nem totalmente opacos (desde TVs a portas de vidro), justamente pra deformar qualquer imagem que passe por trás deles. Além disso, também costuma cobrir a maior parte dos espaços desses planos com sombra, o que causa um medo absurdo do que pode estar escondido ali. Aliás, o terror do filme se dá muito em cima dessa manipulação de formas, com vultos se moldando de maneira bizarra e fantasmas se movendo de forma extremamente desconfortante. Isso é o começo do que, pra mim, seria a coisa mais medonha desse filme - o poder decadente da imagem.


Kurosawa estuda em Pulse o poder que a imagem tem não só de causar medo e desconforto, mas também de supostamente eternizar vidas e relações. O próprio cinema é uma tentativa de exercer esse poder e criar conexões, é a manipulação de imagens e sons como meio de comunicação. E Kurosawa não escapa disso, também está tentando se comunicar, se expressar através de seu filme. Às vezes o roteiro é super sutil, às vezes extremamente expositivo; a trilha sonora oscila entre o exagerado e o ponderado; a mise-en-scène se molda numa tentativa desesperada de comunicar algo. Me lembrou um pouco Pierrot Le Fou nesse sentido de explorar ao máximo a linguagem, mas se no filme de Godard isso era uma tentativa de alcançar liberdade, aqui é um grito amargo frente à uma comunicação condenada.



Infelizmente, toda tentativa de comunicação não é suficiente. Conforme o filme vai caminhando pro final, os efeitos visuais ficam cada vez mais ridículos, a fotografia cada vez mais artificial, os diálogos se entregam ao brega. É a decadência da linguagem, dos meios de comunicação. É o desespero de não ter mais pra onde ir, já ter esgotado qualquer tentativa de fugir do isolamento, escapar dos males da incomunicabilidade.


Kurosawa constrói e evidencia o poder da imagem durante o filme todo, para que no final pudesse destruí-lo, mostrando como é inútil tal poder. Foucault dizia, numa imagem de um cachimbo, que aquilo não era um cachimbo, e sim uma representação de um cachimbo. Da mesma forma, qualquer imagem é falsa, é apenas uma representação. E Pulse nos assombra com essa declaração do quão limitada é a imagem, o cinema e qualquer forma de linguagem. No final nada consegue expressar o que realmente sentimos, nada consegue nos conectar de verdade - nem a arte, e muito menos a internet. Isso é o verdadeiro terror do ser humano.


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